ÍNDICE dos textos

Contos:



Mensagens Divertidas:
Mensagens de Carinho:
Você é...você...
Amor Incondicional (para a mamãe)
Mamãe, rainha do lar...
Mamãe, és feita de amor... Dia das Mães...
Amor Bandido
Amar-te...
Boa Páscoa!!
Tesouro precioso...
Amar é curtir juntos...
Vamos nos dar as mãos...
Parabéns!!
Por que te admiro?
Por que te amo?
É Fácil Ser Feliz...
Envie Carinho!! Faça sua Declaração!! Amor...Amiza...
Você é...
Amor e gratidão...
Amar é caminhar juntos...
Te amo de verdade!...
Vamos amar e amar...


Pensamentos:
Pensamentos de Madre Teresa de Calcutá
Pensamentos dos Mestres...
Valor da amizade
Reflexões...
Boa Reputação...
Mensagem do Dalai Lama
Conhecimento, Amor e Fé
Pensamentos de Victor Hugo
Frases de Shakespeare
Pensamentos de Gandhi

Preces e Mensagens:

Acredite!!
Te Desejo!!
Nunca desista...

Cultive a Alegria!
Tenhamos paciência...
Viver é...
Aprendi com o tempo que...
Descubra o Amor
Parabéns, mamãe!!
Mãe, o amor mais puro
Quero colo...
Criança é esperança...
Cesta de Páscoa
Páscoa, Tempo de Amar...
Presentes que não custam dinheiro...
Prece em Momento de Aflição.
Cio da Primavera
Graças, meu Deus!!
Quem tem amigos...
Ser mulher...
Rosas e espinhos...
Amar não é...
Mensagem de Amor
Rosas para você...
É Fácil ser Feliz...
Após a tempestade...
Deus age em silêncio
Obrigado, Senhor...
Sabedoria peregrina...
Não estamos sós...
Paz na Terra...
Pensamentos dos Mestres (1)
Alegria...

Um Mundo Melhor (Madre Teresa)
Oração do Perdão
Paleta das mãos de Deus...
O Senhor é meu Pastor...
O Poder do Sorriso...

Grandes Homens...
Amor e Liberdade
Liberte-se do Medo (N.Mandela)
Sementes de Felicidade


Várias



Um delegado "daqueles"...

Um Delegado "daqueles"...

Oriza Martins


Pedro Júlio, o pai da pequena Isa, era uma dessas personagens que nasceram para marcar presença onde quer que passasse. Quando jovem, sua família perdera a fazenda em que viviam, em decorrência de grandes dívidas contraídas pelo irmão mais velho. Assim, de patrões, tornaram-se empregados. Aos poucos, todavia, foram restabelecendo suas vidas.
Quando Isa nasceu, Pedro Júlio era proprietário de uma “venda” de estrada, próxima a Planalto Verde. Depois, tornou-se administrador da fazenda onde Isa passou os primeiros anos de sua infância e cuja casa-sede encontrava-se a pequena distância de uma quadra da Igreja Matriz da cidadezinha, possibilitando-lhe, dessa forma, vivenciar simultaneamente experiências tanto do campo quanto da cidade.
Pedro Júlio não tivera grandes estudos, porém era dotado de uma inteligência especial, forte senso de liderança e boa dose de humor. Adorava programar festividades na fazenda. Costumava fazer a montagem de um estrado onde os homens podiam dançar o cateretê ou catira, um sapateado que ribombava no chão de madeira, ao som das violas caipiras. Nas épocas de festividades dos Santos Reis, Pedro Júlio acompanhava as caravanas da folia, nas visitas aos lares e, na grande festa, vestia-se de palhaço para duelar pela princesa.
Era um homem bonito e gostava de se vestir à moda gaúcha, ostentando longas botas, bombachas e lenço no pescoço, além de viver estalando chicotes - que ele denominava “rebengues” - e exibindo as indefectíveis esporas que riscavam o assoalho da casa-sede, provocando um barulho que a pequena Isa haveria de guardar na memória:
– Réc, réc, réc, réc...
Naqueles tempos, em meados do século vinte, não havia Delegados de Polícia suficientes para atender à demanda de todas as cidades. Assim, nomeavam-se Delegados-suplentes, dentre cidadãos idôneos, nas comunidades.
Por essa razão, um dia, Pedro Júlio viu-se conduzido ao cargo de Delegado de Polícia de Planalto Verde, um motivo de orgulho para a pequena Isa.
Pedro Júlio revelar-se-ia uma figura sui generis no cargo de Delegado: folclórico, para se dizer o mínimo, mas sua capacidade de liderança constituía um fator de tranqüilidade para as famílias de Planalto Verde, onde era temido pelos infratores e respeitado por todos. Enérgico, determinado, costumava caçar bandidos a cavalo, pelas matas, trazendo-os no laço ou na unha, à moda do velho-oeste americano. Sempre estalando chicotes e repicando as esporas no chão:
– Réc, réc, réc...
Como Delegado, Pedro Júlio, às vezes, demonstrava um senso particular de justiça. Certa vez, após capturar um homem que furtara imagens de uma capela da comunidade, Pedro Júlio obrigou-o a ir de casa em casa, em Planalto Verde, revelando ser um ladrão de igrejas, mostrando o produto do roubo e, de joelhos frente à residência, pedindo perdão a cada família. Foi um acontecimento inesquecível: o povo seguindo-os, e parte da justiça sendo feita...
Era costume as pessoas jogarem baralho nos bares. Um dia, Pedro Júlio, o Delegado, cismou de proibir a jogatina. Percorreu todos os bares, recolhendo os baralhos e advertindo os jogadores escandalosamente. Quando chegou em casa, na pensão de sua mulher, o que ele encontrou? Sua filhinha, a pequena Isa, e vários amigos... jogando baralho! Lei é lei e vale para todos: foi aquele "esparramo" geral...
A cidadezinha de Planalto Verde contava com um pequeno salão onde, às vezes, quando o Delegado permitia, havia bailes, ao som de acordeões ou de uma vitrola. Mas a cidade não possuía, ainda, rede de energia elétrica. As luzes funcionavam apenas no período de seis da tarde até à meia-noite, alimentadas por um grande gerador que ficava nas dependências da Prefeitura. E quem controlava o gerador? O Delegado, Pedro Júlio, naturalmente...
Numa época de carnaval, os jovens estavam doidos para curtir um bailinho. Mas o Delegado encontrava-se mal-humorado, não queria permitir. A turma apelou, então, para a pequena Isa, que foi tentar demover o pai dessa intransigência, até que, na terça-feira, último dia do carnaval, Pedro Júlio deixou-se comover pelos pedidos da filhinha, porém avisou:
– Podem pular carnaval hoje, mas até à meia-noite, apenas! À meia-noite, em ponto, vocês sabem que eu desligo o gerador, e todos ficarão no escuro!
Tudo bem! Os jovens de Planalto Verde ligaram a vitrolinha e pularam carnaval até pouco antes da meia-noite. Quando deu meia-noite, o baile acabara e todo mundo, embora a contra-gosto, já havia sumido, ninguém mais se encontrava no salão. Pedro Júlio, entretanto, jocosamente, permaneceu a noite toda com o gerador ligado, na Prefeitura. De manhã, a pequena Isa viu quando o Delegado chegou em casa, sorriso maroto nos lábios, com cara de gato que comeu o canário, e as eternas esporas repicando:
– Réc, réc, réc...
– Ai, que ódio! – diziam os jovens, ao saber da peraltice do Delegado.

Na escola, a pequena Isa costumava enfrentar a idiossincrasia do Murilo, um jovem da comunidade que substituía os professores, artigo raro em Planalto Verde. Na verdade, o comportamento de Murilo era tão irreverente quanto o das crianças.
Um dia, uma das alunas “queridinhas” do professor Murilo pediu para ir lá fora tomar água. O professor autorizou. Mais tarde, a pequena Isa pediu para ir ao banheiro.
– Não! Você, não! – respondeu o Murilo.
Ele devia ter lá seus critérios para permitir ou não...
Isa insistiu várias vezes.
- Não! - dizia o Murilo, do alto de sua autoridade.
Isa já estava acostumada com a birra do Murilo contra ela e costumava conformar-se, dar de ombros, mas, naquele dia, ela realmente necessitava ir ao banheiro.
É curioso que o Murilo, conhecendo as peculiaridades do Delegado Pedro Júlio fosse tão embirrado com a filha dele, uma menina curiosa demais, peralta demais, falante demais, mas aluna brilhante do ponto de vista da aprendizagem. De certa forma era um desafio por parte dele, talvez inconsciente.
Na hora do recreio, que durava meia hora, os alunos residentes próximo à escola costumavam ir lanchar, até mesmo almoçar, em casa. Naquele dia, passando mal, a pequena Isa dirigiu-se para casa, mas não tomou lanche nem almoçou. Foi direto para o banheiro e lá permaneceu por um bom tempo. A cozinheira da pensão de sua mãe, em vão, tentou fazê-la comer. Isa retornou à escola.
No mesmo dia, mais tarde, antes do final da aula, toda a escolinha de Planalto Verde testemunharia um terremoto. Pedro Júlio, o Delegado, literalmente enfezado, ao tomar conhecimento do fato, obrigou a direção da escola a convocar para fora do prédio todos os professores e suas classes. Ali, exorbitando do cargo, mesclou sua indignação de pai com a condição de autoridade policial, e expôs o professor a uma situação vexatória, passando-lhe a maior bronca, em público, por negar à sua filha o direito de ir ao banheiro. Isa, em seu mundinho de conceitos pueris, sentia-se orgulhosa, diante de todos, e justiçada.
No dia seguinte, o professor Murilo determinou, radicalizando:
– A partir de hoje, ninguém mais precisa pedir para sair da classe, tomar água ou ir ao banheiro! Basta chegar e dizer: “Seu Murilo, eu vou lá fora”. Eu não quero mais nem saber o que vocês vão fazer lá fora!
Dito e feito! A partir daquele dia, os alunos deitaram e rolaram. A todo momento, alguém se levantava e dizia ao Murilo:
– Seu Murilo, eu vou lá fora.
Inclusive a pequena Isa, naturalmente!
– Seu Murilo, eu vou lá fora.
Murilo só dava uma olhada, de soslaio, com cara de mau-humor.
Foi uma pândega!
Em seu processo de amadurecimento, Isa compreenderia, com o tempo, que Pedro Júlio, embora tendo o direito de reclamar como pai, abusara de sua função de Delegado, pois os assuntos da Educação competem a outras formas de autoridade.
Mas a lembrança do orgulho sentido por ver-se tão calorosamente defendida por aquele pai-leão permaneceria indelével para a pequena Isa, ao lado de tantas outras situações vividas a seu lado, folclóricas, divertidas, bizarras, ireverentes, inesquecíveis...
Anos depois, na juventude, assistindo à novela “O Bem Amado”, de Dias Gomes, Isa recordar-se-ia com saudades de seu pai, o Delegado Pedro Júlio, suas extravagâncias, seus hábitos peculiares, especialmente o estalar dos chicotes e o repicar das esporas:
– Réc, réc, réc, réc...

Ensinanças

Ensinanças...


Episódio da Série “Janelinhas para o Mundo”
Oriza Martins


Houve um tempo, não tão distante desta virada de século, há poucas décadas, uma época conhecida, na posteridade, por "anos dourados", quando ser criança era somente... ser criança... Em muitos rincões deste Brasil de Deus, ainda pouco se cogitava a existência de televisores; apenas ouvia-se falar em um tipo de rádio que "mostrava os artistas lá dentro, cantando e falando”.
Nesse universo ingênuo, na pequenina cidade de Planalto Verde, perdida no poético interiorzão paulista, o programa de fim-de-tarde e começo-de-noite era brincar de pique na pracinha central, um dos poucos momentos em que os jovens permitiam-se misturar à meninada.
No mundinho feliz de Planalto Verde, vivia a pequena Isa. Ela cursava o terceiro ano primário, tendo por professor o jovem Murilo, um rapaz na faixa de seus dezoito anos e que, em verdade, não era formado para o ofício do magistério. Estudara até a quarta série ginasial e ministrava aulas como substituto, em virtude de faltarem professores na cidadezinha de Planalto Verde.
Naturalmente, Murilo pouco sabia a respeito de psicologia infantil, metodologia de ensino e outras práticas ligadas ao magistério. Em conseqüência, quase se equiparava aos alunos, em termos de comportamento. Como se diz hoje em dia, gostava mesmo era de “zoar” com a criançada. Tacava giz na cabeça dos alunos, escrevia os pontos na lousa com letra ao contrário – especialmente adorava escrever “MIF” no final -, fazia pirraça, elegia seus preferidos e, claro, havia aquelas crianças com as quais vivia embirrando, principalmente se mostravam algum tipo especial de inteligência ou aptidão. Isa era um delas. Que menina metida a querer saber demais!
Era época da Semana da Pátria.
O professor Murilo vivia ameaçando os alunos com noções de comportamento cívico.
– É proibido assobiar o Hino Nacional! Quem for pego assobiando, irá para a Diretoria!
A simples menção dessa proibição incitava a turma ao ato. Como era bom assobiar o Hino Nacional! Principalmente porque era proibido. Um desafio! No recreio, na saída, assobiava-se baixinho. Os dedos-duros, claro, iam correndo contar:
– Seu Murilo, a Tânia estava assobiando o Hino Nacional!
Tânia era uma das “queridinhas” do professor Murilo.
– É verdade, Tânia?
Tânia vacilou um pouco, mas, depois, confessou:
– Sim, senhor. É verdade.
A turma toda gelou. 'Ai, ai, ai! O que será que ele vai fazer? A Tânia vai para a Diretoria?"
Entretanto, para surpresa de todos, o Professor Murilo disse, num tom enfático, defendendo sua queridinha Tânia:
– Vejam! Ela não negou seu erro! É assim que se faz! Quando a gente comete uma falha, devemos admitir o erro. Aposto como muitos de vocês diriam que é mentira, que não fizeram isso! Mas a Tânia assumiu sua culpa, o que é muito positivo! Parabéns, Tânia, por sua sinceridade!
Uau!!! Todos se olhavam com os olhos arregalados. Que baita elogio!! Então, é assim? Ora, quando a gente fizer algo errado, vamos também admitir a culpa e ganhar um belo elogio!
O desfile da Independência foi lindo. À frente, vinham os escoteiros, com o Tato, irmão da pequena Isa, carregando, orgulhosamente, a Bandeira Nacional. Ela também sentia uma pontinha de orgulho... e era a primeira vez que Isa via uma bandeira nacional de verdade. Que montão de estrelinhas! ! E que vontade de contar para saber quantas eram!... Por que a bandeira tinha estrelinhas? Sabe-se-lá por quê! Perguntar para o Murilo? Eu, não! Ele vai dizer que estou querendo saber demais...
Terminado o desfile, a bandeira foi solenemente colocada no "altar da pátria", bem no centro da pracinha da cidade. Todos ficaram em volta, olhando, inclusive Isa, magnetizada pelas estrelinhas.
À tarde, Isa não resistiu. Galgou os degraus do altar da pátria e ergueu o pano da bandeira, começando a contar as estrelas: uma, duas, três, quatro...
– Ei! Saia daí! É proibido mexer na bandeira!
A voz enfurecida do Tato fez Isa voltar-se.
– Desça já daí! Pare com isso! Você não tem nada que ficar mexendo na bandeira! É proibido! – berrava o Tato.
Que irmão chato! Vivia implicando com a Isa! E se considerava o dono da bandeira só porque era o porta-estandarte dos escoteiros!
Isa, sacudindo a ponta da bandeira, respondeu, pirracenta que era:
– Eu mexo o quanto quiser! – E desceu, correndo, os degraus.
A um canto, o Wilsinho, colega de classe, observava a cena.
No dia seguinte, quando todos acabaram de adentrar a sala de aula, o Wilsinho foi logo dedurando:
– Professor Murilo, a Isa deu um soco na Bandeira Nacional!
A classe toda gelou. E agora?
Isa, surpresa, pensou:
– Um soco? Que absurdo, não foi soco nenhum... Foi só uma sacudida na pontinha... E, ainda assim, só porque o Tato tinha implicado!
Então, Isa lembrou-se do elogio feito pelo professor Murilo à Tânia! Afinal, admitir a própria culpa é uma atitude que merece elogio...
– É verdade, Isa? – perguntou o professor Murilo, sério. – Você deu um soco na bandeira?
Isa calou-se por instantes. Falar a verdade... admitir culpa... elogio... Sua cabeça girava.
– Vamos, responda, é verdade? – vociferava o Murilo.
Quem admite culpa ganha elogio. Isa não titubeou mais.
– Sim, é verdade – respondeu, aguardando o elogio.
Só que ela não era uma das “queridinhas”...
– E você diz isso com essa cara deslavada? – berrou o professor Murilo. – Não se envergonha? Isso é coisa que se faça com um símbolo nacional? Já para a Diretoria!!!
Isa, atônita, que esperava um elogio por “admitir o erro”, não conseguia compreender o que se passava, na hora.
É tão fácil ser criança!
Como deve ser complicado ser adulto...

* * *

A pequena Isa só foi entender o que é incoerência com o passar do tempo, com as ensinanças da vida, sentindo que aquela havia sido uma das primeiras lições... uma janelinha nova que se abria para seu pequeno-grande mundo.. que a fez compreender, um dia, a importância de reconhecer seus erros, admitir a própria culpa, assumir a responsabilidade por seus atos, não para fazer bonito, nem visando elogios, mas como oportunidade de reavaliar suas ações, para um crescimento moral, interior – o aperfeiçoamento de seu próprio caráter.

Verso e reverso

VERSO e REVERSO

Oriza Martins

Planalto Verde era uma comunidade pequena, porém relativamente próspera, cuja economia baseava-se, principalmente, na pecuária. Lá os “bons partidos” eram os filhos dos fazendeiros, visados por praticamente todas as moças que desejavam se casar.
A pequena Isa lembrava-se de Elisabeth, uma bela jovem, conhecida não apenas por sua beleza, mas também pela inteligência. As pessoas comentavam que Elisabeth, certamente, acabaria indo para a cidade grande cursar alguma faculdade.
– Será? – perguntava-se Dona Bila, a mãe de Isa. – Tomara que sim, mas, com essa beleza toda, ela vai é fisgar algum filho de fazendeiro por aqui mesmo.
De fato, não demorou muito, Elisabeth começou a namorar Gilberto, o filho do fazendeiro mais poderoso da cidade. Formavam um interessante casal. Ele, com cintilantes olhos azuis, despertara um profundo sentimento em Elisabeth e, desde os primeiros tempos de namoro, os dois jovens envolveram-se apaixonadamente.
Elisabeth mantinha uma espécie de diário, onde relatava o desenrolar do romance. Ele se divertia com isso e conseguia ler pequenos trechos que a jovem liberava. Com o passar do tempo, porém, os valores morais de Gilberto começaram a aflorar, no relacionamento.
Elisabeth era filha de pais separados. Vivia com a mãe, uma pequena comerciante, batalhadora – verdadeira leoa na defesa dos filhos. Se, para uma mulher separada, viver em cidades grandes já era bastante difícil, quanto mais não deveria ser em uma comunidade pequena e – pior ainda – naqueles tempos, nos idos dos anos 50! Elisabeth observava o preconceito de que a mãe era vítima e sempre a apoiava, manifestando solidariedade.
Para sua tristeza, inúmeras vezes, Gilberto referia-se de forma negativa a respeito de filhos de pais separados. Isso incomodava Elisabeth, mas o profundo amor que nutria pelo jovem amenizava a situação.
Paulatinamente, porém, ela percebia no namorado um exacerbado preconceito, defendendo os sagrados laços do casamento oficial, a família legalmente constituída, gabando-se de pertencer a um clã onde esses valores eram fortemente cultivados.
– Ah... geralmente... não sei, não... – dizia ele, entortando a boca, num esgar de pouco-caso. – Acho que pode ser arriscado casar com filhas de pais separados. Se os pais não deram valor ao casamento, o ambiente pode ter afetado a educação delas... vão acabar achando natural separar também, não vão valorizar a união...
Nesses momentos, Gilberto parecia cair em si e abraçava Elisabeth:
– Não se ofenda, querida. Estou convencido de que você é uma exceção... Vou compensá-la por ter sido criada em uma família desfeita... Você vai ter comigo um lar solidamente constituído... com fartura, um maridão apaixonado...
E Gilberto concluía, com ar sorridente:
– Aí, hein? Beth? Tirou a sorte grande! Vai ganhar um maridão apaixonado!
Ouvir aquelas palavras, proferidas pelos lábios tão amados de Gilberto, doía profundamente no íntimo de Elisabeth, mas ela acreditava que o tempo poderia mudar a visão de mundo do rapaz.
Porém o tempo se passava, e as coisas continuavam na mesma. Elisabeth começou, então, a rebater as idéias de Gilberto, deixando-o exasperado ao afirmar que uma separação não era algo tão deplorável, poderia acontecer em qualquer família.
– Nas boas famílias, não! – devolveu ele, enfático. – Pelo menos, não na minha, jamais admitiríamos!
Elisabeth calou-se, desejando que o destino pudesse dar a Gilberto uma resposta à altura.
Um dia, no auge de uma discussão com a mãe de Elisabeth, manifestando menosprezo por sua condição de mulher separada, ele deixou escapar:
– Na minha casa só vai entrar quem eu autorizar!
Foi a gota!
Não obstante toda paixão, Elisabeth decidiu-se por sacrificar seus sentimentos em prol de um futuro mais digno.
Em uma tarde de outono, após treinar muitas vezes diante do espelho, Elisabeth tomou coragem e desfez o namoro. Ele não conseguia acreditar no que ouvia. “Ela o estava dispensando? Isso era um absurdo! Impensável!”
– Sabe, Gilberto, eu lhe agradeço... – concluiu Elisabeth. – Você mostrou-me que tenho uma grande capacidade de amar. Amei você com todo meu potencial. Agradeço-lhe por haver-me proporcionado esta certeza: de que sou capaz de gerar muito amor. Estou grata a você por isso.
Essa foi a última frase que Elisabeth proferiu, despedindo-se de Gilberto, que permaneceu pasmo, mudo, estático, vendo a imagem da jovem distanciar-se, misturando-se às folhas de outono que caíam calmas, displicentes... Era-lhe incompreensível: como poderia aquela jovem pobre, humilde, filha de pais separados, estar-se recusando a se casar com ele, herdeiro do poderoso fazendeiro, renunciando a construir uma vida sólida, de fartura, num lar perfeito, a seu lado?
Elisabeth mudou-se da cidade, foi cursar a faculdade em São Paulo. Acreditava que o tempo curaria suas cicatrizes de amor...
Aquele outono se foi e depois novos outonos se passaram. Muitas outras folhas caíram e inúmeras vezes a natureza se renovou... assim como se renovam as esperanças nos corações humanos...
Elisabeth acabou radicando-se em definitivo na capital paulista e construiu uma sólida carreira, enquanto acompanhava com interesse alterações dos novos tempos: na política, na ciência, no dia-a-dia, nas artes, nos direitos humanos, na evolução das mentalidades e na visão de mundo das pessoas. Vez por outra, tinha notícias da terrinha. Vez por outra, ficava sabendo das novidades de Planalto Verde através de reencontros com velhos amigos, oportunidades que iam se escasseando com o tempo.
Anos mais tarde, Elisabeth voltou a ter notícias do ex-namorado. Um encontro com a antiga colega Lurdinha revelou o que a vida reservara ao preconceituoso Gilberto.
– Ele não se casou – disse Lurdinha. – Pelo menos, não oficialmente. Ele se “amigou”.
– Amigou? – admirou-se Elisabeth, lembrando-se do quanto Gilberto valorizava o matrimônio oficial.
– É... amigou. Juntou-se a uma mulher, concluiu Lurdinha. – Não sei por quê. Acho que ela devia ser desquitada, sei lá... Ah... E sabe de outra coisa? Os pais dele se separaram.
– Separaram-se? – Agora Elisabeth ficou espantada, pensando: “Os pais de Gilberto? Aquele casal tradicional, de fazendeiros, uma família perfeita, tão cheios de etiquetas?”
– Separaram-se “apenas”, não! Ela, a mãe dele, foi quem se separou. Aliás, ela fugiu de casa... com outro!
– Não!!! – admirou-se Elisabeth, abrindo um largo e zombeteiro sorriso.
– Verdade! E o cara, ainda por cima, era bem mais jovem do que ela! – continuou Lurdinha. – Aliás, era até amigo do Gilberto!
– O quê?! A mãe do Gilberto fugiu com um cara mais jovem? E amigo do filho?
– Pois é! E sabe da maior? Ela não ficou com ele, não. Logo o largou e trocou por outro. Ela montou casa na cidade e agora mora lá. Dizem que é tarada por rapazes mais jovens! Garotões... sacou?
Num daqueles átimos naturais de revanchismo da natureza humana, Elisabeth sorria ao imaginar as situações por que devia ter passado o Gilberto. Intimamente, sentia um certo saborzinho especial... e, afinal, suspirou:
– É... de fato... como disse um grande pensador, a vida se move por contradições...
Novos outonos se passaram...
No entardecer da vida, Elisabeth voltou a encontrar-se, casualmente, com Gilberto. Civilizadamente, recordaram os velhos tempos. Ele lhe perguntou sobre o diário.
– Você ainda escreve o diário?
– Sem dúvida – brincou ela, zombeteira. – Aliás, hoje você estará nele...
– Pena que saí dele há muito tempo – suspirou Gilberto, num tom saudoso. – Tantas vezes pensei no quanto gostaria de ler o que escreveu sobre mim, depois de tudo...
Ela apenas sorria, enigmática. Por fim, fez-lhe a clássica pergunta:
– E seus pais, como vão?
Gilberto engoliu em seco e respondeu:
– Vão bem.
E completou, sério, num tom forçadamente prosaico:
– Eles se separaram.
– Separaram?... murmurou Elisabeth mordendo a língua para não cair na risada. Por fim, encarou Gilberto e deixou escapar um ligeiro e irônico sorriso, acrescentando um clichê à resposta que a vida lhe dera:
– Pois é... isso acontece até.. com as melhores famílias...


Ingenuidades sexuais de três meninas do interior


Ingenuidades sexuais de três meninas do interior

Oriza Martins

Pontos de reflexão para pais e educadores


Houve um tempo, não tão distante desta virada de século, há poucas décadas, uma época conhecida, na posteridade, por "anos dourados", quando ser criança era somente... ser criança... Em muitos rincões deste Brasil de Deus, ainda pouco se cogitava a existência de televisores; apenas ouvia-se falar em um tipo de rádio que "mostrava os artistas lá dentro, cantando e falando”.
Nesse universo ingênuo, na pequenina cidade de Planalto Verde, perdida no poético interiorzão paulista, o programa de fim-de-tarde e começo-de-noite era brincar de pique na pracinha central, um dos poucos momentos em que os jovens permitiam-se misturar à meninada.
Naqueles tempos dos anos dourados, especialmente em comunidades pequenas como a cidadezinha de Planalto Verde, os temas ligados a sexo significavam um tabu quase inexpugnável para as crianças. Por vergonha, timidez, costume, ou mesmo por ignorância, raramente as mães orientavam as meninas sobre o assunto. Os parcos conhecimentos que estas obtinham eram adquiridos entre crendices, superstições e um sem-número de explicações estapafúrdias passadas por colegas, na rua ou na escola.
A questão da primeira menstruação constituiu-se em um caso à parte nas vidas das três garotas – Cininha, Tatiana e a pequena Isa – que sabiam, por ouvir dizer, “assim mais-ou-menos”, que as moças sangravam. Imaginavam, porém, que, ao tornar-se moças, sangrariam sem parar, pelo resto da vida. Por falta de orientação correta sobre o assunto, sequer lhes passava pela cabeça que as moças sangram apenas alguns dias, em ciclos mensais, nada disso... Imaginando que as moças sangravam sem parar, as três garotas, sempre que possível, procuravam observar suas irmãs maiores, quando subiam em árvores, por exemplo. Tentavam visualizar as calcinhas delas, para conferir se estavam manchadas de sangue. Coisas da realidade do interior... naqueles idos da década de 50... embora em pleno século vinte!
Aliás, o conceito de “moça” também formava um redemoinho na cabeça das meninas. Às vezes, ouviam dizer:
– Fulana já é “mocinha”.
Ou então:
– Fulana não é mais moça.
O que significaria “ser mocinha”? E o que significaria “não ser mais moça”? A falta de diálogo, de educação sexual, provocava um emaranhado de conceitos fantasiosos e enviesados em suas mentes.
Outra preocupação das garotas, que se remoíam em curiosidade, era saber como os bebês nasciam, de que modo saíam da barriga da mãe.
Finalmente, enchendo-se de coragem, a pequena Isa perguntou a Dona Bila:
- Por onde saem os bebês, mamãe?
Tomada de surpresa, Dona Bila titubeou um instante, depois respondeu, encabulada:
- Eles saem... por onde entram!
A pequena Isa não teve tempo de continuar o inquérito. Rapidamente, a mãe dirigiu-se à cozinha, simulando necessidade de cuidar dos afazeres, mas estava, em verdade, fugindo à cena, preocupada com o rumo que poderia tomar a ousadia daquelas perguntas.
A pequena Isa, a partir de então, passou a repisar um novo questionamento:
- Por onde entram os bebês?
Aos poucos, entre uma pseudo-explicação aqui e outra ali, Isa acabou por entender que os bebês eram feitos pelo pai e pela mãe, em conjunto, mais ou menos como os animais. Ao se lembrar de que os cãezinhos permanecem algum tempo atrelados no fim do ato sexual, ela se arrepiava, imaginando uma cena semelhante entre adultos.
Isa e as colegas, especialmente Cininha e Tatiana, viviam conjeturando hipóteses. Em sua imaginação, os bebês eram gerados aos pedacinhos, ou seja, a criança crescia na barriga da mãe à medida que iam sendo montados os braços, as pernas, a cabeça, um pouco de cada vez... A cada relação do pai com a mãe, um novo pedaço ia sendo feito...
Certa vez, faleceu o marido de uma jovem senhora vizinha, que estava grávida.
- E agora? – preocupavam-se as garotas. – Como é que a mãe, viúva, sozinha, vai terminar de fazer o bebê?
A partir de então, sem coragem para pedir maiores explicações aos adultos, as três garotas passaram a acompanhar o processo de gravidez da jovem mãe, com uma ávida curiosidade, certas de que a criança nasceria incompleta. O que faltaria? Um braço? Uma perna? Os cabelos? As garotas conjeturavam e aguardavam o nascimento, preocupadas.
O bebê nasceu perfeito, lindo. Não faltava nada! As meninas permaneceram por um bom tempo sem entender o que acontecera. Acrescentaram mais indagações do que certezas à sua ânsia pelo saber.
Um dia, uma delas – a Cininha – chegou apavorada. Ela estava sangrando! Sua idade, então, era onze anos. E como doía, doía tanto...
As outras, solidárias, acercaram-se da amiga. Contar para a mãe? Nem pensar, não teriam coragem, morreriam de vergonha. Que fazer, então?
– Rezar! Vamos rezar – sugeriu a pequena Isa. – Vamos rezar e pedir que o sangue pare de sair!
As meninas puseram-se a rezar. Nos dias que se seguiram, continuaram rezando, à noite, de dia, sempre que podiam. Finalmente, após alguns dias... que maravilha! Parou! Deu certo! Que bom! Foi bom rezar!
Felizes da vida, as garotas sentiam que o problema sempre se resolveria facilmente, quando chegasse a vez das outras.
– Vamos rezar, que o sangue pára de descer!
Após algumas semanas, Cininha voltou chorando. Estava sangrando de novo!
– Vamos rezar – concluíram as três.
Rezaram, rezaram e, passados três a quatro dias, o sangue parou. Deu certo, de novo! Que alívio!

Alguns dias depois, a mãe de Cininha recebeu a visita de Dona Zizi, uma senhora de mente mais aberta, já de algum modo antenada com os novos tempos. Dona Zizi também tinha uma filha, outra garota da escola, a Nina , alguns anos mais velha do que as três amigas, e perguntou, interessada:
– A Cininha já é mocinha?
Tomada de surpresa, a mãe de Cininha não soube o que dizer. Cininha, por sua vez, não titubeou, lembrando-se de que não sangrava mais:
– Eu não sou mais! Eu era!
As duas senhoras se espantaram:
– Como? Você era mocinha e não é mais? O que está querendo dizer? – indagou a mãe, preocupada.
Cininha fez um breve relato da situação. Contou que sangrara duas vezes e que, por causa de tanto rezar, não sangrava mais.
As duas senhoras riram diante do relato de Cininha. Dona Zizi, então, explicou:
– Estou perguntando se você já é mocinha, porque quero saber se a minha filha Nina já é também, se já contou para alguma coleguinha, porque, comigo, ela não quer tocar no assunto, acho que tem vergonha. Sempre ensinei tudo a ela, direitinho, mas, mesmo assim, a Nina tem vergonha de me contar.. Pensei que você soubesse se ela já ficou mocinha, ou não. Vivo perguntando, mas a Nina não confirma, permanece calada.
– Não sei, Dona Zizi, a Nina também nunca me falou nada... – respondeu Cininha.
Na verdade, Nina era uma garota mais velha e não conversava com as três – Isa, Cininha e Tatiana –, com tanta intimidade. Se fossem mais íntimas, teria sido ótimo, pois a Nina possuía um bom conhecimento a respeito do assunto, naturalmente orientada pela mãe, Dona Zizi, que, embora com pouca escolaridade, revelava-se um caso raro de visão educativa na realidade interiorana de Planalto Verde.
Dona Zizi, então, apresentou um mundo novo de conhecimentos para Cininha e, em conseqüência, para Tatiana e Isa. Calmamente, explicou-lhe, à sua moda, o que era menstruação, ciclo menstrual, cólicas, e, mesmo sem usar o conceito de “ovulação”, que provavelmente ignorasse, alertou sobre os riscos de uma gravidez indesejada:
– Depois de ficar mocinha, se a menina “fizer besteira” com algum rapaz, fica esperando nenê. Durante nove meses, deixa de ficar “incomodada” e só volta a ter menstruação depois que o bebê nasce. Portanto, isso não deve ser feito sem casar!
Cininha ouvia, embevecida, as explicações de Dona Zizi. Apenas um detalhe deixou-a triste:
– Quer dizer que o sangue e as dores vão voltar todo mês?... - indagou-se, desanimada.
A coleguinha Isa, porém, diante de tantas novidades, colocava a imaginação a mil por hora. Dentro de seu processo de construção do conhecimento, dados novos se inseriam, porém faltava-lhe a necessária orientação a que todo aprendiz faz jus. De algum modo, entretanto, embora sem esparramar tanta luz quanto necessário, mais uma janelinha se abrira no intrigante e pequeno-grande mundo da curiosa Isa que, no decorrer da adolescência, aprendeu a buscar nas leituras, sempre que possível, as explicações para suas dúvidas.
Anos depois, quando estudava em um colégio de freiras, Isa permanecia horas na biblioteca pesquisando os livros de biologia e ciências. As pesquisas a ajudavam bastante, embora, às vezes, algumas publicações aparecessem mutiladas, com páginas arrancadas. Uma forte hipótese a esse respeito, entre as alunas, creditava o fato a uma freira idosa, excessivamente pudica, que extraía as páginas de livros onde havia gravuras dos órgãos genitais, para que as meninas não as vissem... A religiosa lecionava História do Brasil no colégio e, nesse sentido, também, as alunas sabiam que era pouco recomendável entregar trabalhos escolares com figuras de índios nus...
Assim, à medida que crescia em conhecimentos, em discernimento, Isa não mais se conformava em sentir alguma dúvida. Ia à luta. Perguntava, pesquisava.
Um dia, assistiu a um diálogo entre sua mãe e uma vizinha. Ambas falavam a respeito de uma jovem da cidade, a qual havia “se perdido” com o namorado e, agora, era uma mulher de “vida-livre”.
– Dizem que ela é “estérica”, - comentou a vizinha.
Dona Bila arregalou os olhos:
– É mesmo?!
A pequena Isa interferiu, curiosa:
– O que é uma mulher “estérica”?
Dona Bila cortou a conversa:
– Quieta, Isa! Isto não é assunto para você!
Isa retirou-se, continuando a ouvir a conversa através da porta entreaberta.
– Então, ela é “estérica”... – murmurava, admirada, Dona Bila.
– É verdade! As mulheres “estéricas” precisam de vários homens para se satisfazer, – completou a vizinha. – Ela é assim.
– Mas, então, como foi que ela engravidou? Dizem que as “estéricas” precisam ter vários homens, mas não conseguem engravidar! – indagou, perturbada, Dona Bila.
O diálogo entre Dona Bila e a vizinha continuou por algum tempo, presenciado, em surdina, pela pequena Isa. A menina, com a curiosidade aguçada, decidiu-se a pesquisar mais o assunto. Através daquela conversa enviesada, ficara sabendo que as mulheres “estéricas” necessitam de vários homens para se satisfazer e que não conseguem engravidar.
Passou-se muito tempo até que a pequena Isa compreendesse a verdade.
A ignorância e o senso-comum, muitas vezes, caminham lado-a-lado, podendo apresentar esses reflexos equivocados do conhecimento científico. Um dia, Isa compreendeu que ambas – sua mãe e a vizinha –, conversavam a respeito de dois conceitos distintos: histeria e esterilidade. Os conhecimentos de ambas, entretanto, eram produtos do universo cultural em que estavam inseridas. Ambos os conceitos se fundiam, ou melhor, se confundiam, como resultado do saber-popular.
Provavelmente a moça da qual falavam era considerada “histérica”, de um ponto de vista sexual, tal como vulgarmente se convenciona chamar determinadas pessoas que manifestam algum tipo de comportamento diferenciado. A histeria, embora popularmente possa se traduzir por irritação, por nervosismo, insere-se em um campo de conhecimento amplo – na medicina, na psicanálise –, caracterizando-se por neuroses que se apresentam através da transformação de conflitos psicológicos em sintomas orgânicos, não necessariamente sexuais.
Ao mesmo tempo, as duas senhoras conversavam sobre esterilidade feminina, ou seja, a respeito de mulheres estéreis, que, por alguma razão biológica, não conseguem engravidar. Uma mulher pode, portanto, ser histérica, sem ser estéril e vice-versa, mas, no saber-popular revelado por ambas, os conceitos de fundiram, resumidamente, em “estérica”.
Paulatinamente, a pequena Isa foi compreendendo as diferenças entre os vários tipos de conhecimento. Sem desvalorizar o saber-popular, Isa ia percebendo a importância de se possibilitar a universalização do acesso à educação às populações em geral, pois democratizar o conhecimento científico é um dos primeiros passos na busca de melhoria da qualidade de vida, para a humanidade, em todos os seus aspectos.
Enfim... fatos como esses constituíam para as pequenas Isa, Cininha e Tatiana, novas janelinhas para o mundo, lampejos de conhecimento que se descortinavam em saltos qualitativos, no seu processo de crescimento interior, aperfeiçoamento da capacidade de discernir e construção de uma visão crítica da realidade.

Série “Janelinhas para o mundo”
Oriza Martins